No dia em que polícias vão concentrar-se junto ao Ministério das Finanças, o vice-presidente da mais recente organização sindical, a OSP, conta ao i quais as maiores dificuldades dos agentes no dia-a-dia e o que está em causa no protesto desta quarta-feira
O que está em causa na concentração de hoje?
A PSP tem inúmeros problemas, que embora sejam permanentemente por nós sinalizados nada acontece, nada se resolve, nem se avista no futuro modo de resolução ou vontade de o fazer. Estamos cansados de inoperância e inércia.
Por que razão a Organização Sindical dos Polícias decidiu juntar-se às outras associações sindicais?
Os problemas existentes afetam os polícias, como tal estarmos presentes e mobilizar massa humana para uma iniciativa tomada em prol dos direitos dos polícias é coerente e necessário.
Dizem sentir-se cidadãos de segunda, porquê?
Cada um sabe do que se passa na sua casa… Poucas pessoas conseguem descortinar a forma como é legislada a PSP. Existe legislação laboral afeta a todos cidadãos que trabalham em Portugal e existe a legislação para a PSP. Em tempo foram criados suplementos por condição de serviço para os polícias. No entanto, não são pagos como determina a lei laboral os serviços noturnos, os domingos e feriados - recebemos zero, bem como, não temos subsídio de turno e não estamos enquadrados na lei laboral do risco, logo também não nos é abonado subsídio de risco. Além disso, quem aufere estes suplementos por condição de serviço não faz descontos sobre eles “para a reforma”, reduzindo assim o valor da aposentação. Temos regulamento disciplinar e somos duplamente punidos, pela instituição PSP e pelos tribunais, por qualquer problema que nos surja, seja dentro ou fora do serviço. Cumprimos os nossos deveres, queremos os nossos direitos. Queremos igualdade e dignidade.
Fala-se muito de falta de condições nas esquadras, e de falta de recursos. Quais as situações mais chocantes e que não são tão conhecidas?
Poderia falar de muita coisa e nunca conseguiria falar de tudo… Desde o simples papel higiénico, impressoras e fotocopiadoras obsoletas, cadeiras, secretárias, agrafadores, furadores, gabinetes ultra pequenos - e sem respiração -, casas de banho com canalização danificada, camaratas juntamente com vestiários em cubículos. Há de tudo.
Qual a situação dos carros? É verdade que continua a haver esquadras que ficam sem carros durante períodos do dia?
É verdade. Por exemplo, existem divisões com nove esquadras a trabalhar durante mais de uma semana com dois carros. E falamos de divisões em zonas urbanas sensíveis e com grande densidade populacional. Arrisco dizer que são poucas as divisões que passam um mês inteiro com carros ao serviço em todas as esquadras. E tudo, por causa da forma como é feita a aquisição e manutenção das viaturas, é ineficaz. O desinvestimento na PSP é concreto. Não é atribuído orçamento de estado em quantidade suficiente para colmatar os défices, há largos anos. A frota automóvel da PSP está velha e sempre que alguma viatura recolhe para ser reparada são escassas as vezes que todos os problemas são resolvidos. Temos viaturas paradas semanas por falta de pastilhas de travão e muitas circulam por boa vontade dos polícias, pois é rara a viatura que não tem um problema. Compra-se por lotes de viaturas ou desapropriados ALD’s (com limite de kms). Depois a manutenção, é relativa, vai-se pondo as viaturas a circular e os problemas agravam-se até avariar de vez…
Que outras queixas têm?
A forma com a instituição é administrada é pouco humanizada. Somos números e temos que fazer números. Somos geridos como empresa, e é cultivada uma marca de segurança, desumanizando-se e descorando-se a real necessidade dos meios humanos e materiais para que se possa na realidade dar resposta aos apelos da população e à prevenção eficaz da criminalidade.
Quanto à distribuição dos serviços gratificados, mantêm-se situações de injustiça? Quais?
Os gratificados/serviços remunerados continuam a dar problemas. Embora se trate de serviço requisitado à polícia por particulares, feito por quem se voluntariar, isto não se passa de forma amena. As escalas continuam a ser alteradas, continuam a existir atrasos nos pagamentos, e quem trabalha mais horas nem sempre recebe mais, pois o valor dos serviços noturnos é diferente dos serviços diurnos, sendo que, por exemplo, fazendo dois serviços noturnos (8h) equivale mais ou menos (em valor) a fazer três serviços diurnos (12h). Além disso, é imposto com frequência a quem faz serviços remunerados fazer estes serviços no dia da sua folga laboral.
Mas não se usa agora um sistema informático para pôr fim a injustiças?
Sim, existe um programa que gere a escala automaticamente pela disponibilidade do polícia, mas essa escala pode sempre ser alterada manualmente. Iria pôr fim a 80% das injustiças se, durante a semana, fosse criada uma tabela única de pagamento (50€ por serviço) e quem trabalhasse mais horas receberia mais.
O que acha que é preciso mudar já?
Já? Deveriam passar à pré-aposentação todos os elementos que reúnam o tempo de serviço para o efeito. Deveriam iniciar de imediato o pagamento aquando do período de férias dos suplementos por condição de serviço retirados desde 2001, por vontade da PSP, contra o plasmado na lei. Reforçar o efetivo da corporação com a formação de novos agentes e chefes e recrutamento de pessoal para os quadros civis da PSP, para serviço de secretariado. Adquirir viaturas adaptadas aos serviços (carros patrulha, brigadas à civil, equipas de intervenção rápida, por exemplo), bem como, reparar as existentes.
Mas acha que com as limitações orçamentais atuais isso seria possível?
Não é possível. O Orçamento do Estado de 2018, para a PSP não dá nem para metade do que aqui refiro. Tem de ser retificado e nos próximos anos alargado, pois com tanto desinvestimento na PSP, estamos a entrar em rotura a todos os níveis, está tudo a ficar velho e desgastado, desde o material ao pessoal.
Foi público que faltavam operadores no 112. Isso já foi resolvido?
No CONOR [Central Norte] sim. No COSUL [Central Sul] houve poucas melhoras, pois temos lá pessoal a trabalhar que foi lá colocado por imposição e que mesmo assim o efetivo não está completo.
Consideram que a falta de efetivos e de meios na PSP está já a ter consequências na evolução dos crimes?
Cada vez é mais frequente as agressões a polícias, pois o respeito pela autoridade cultiva-se com a presença humana e não com publicidade e eventos. Se há falta de meios humanos e materiais as pessoas deixam de nos ver, de falar com a polícia e a empatia desvanece. Além disso, quando existem episódios de agressões a polícias, pela falta de meios, por vezes o reforço demora a chegar, e a demonstração de eficiência e força não produz o efeito psicológico desejado ao agressor.
Mas onde tem aumentado o crime?
Não vou precisar em concreto que tipo de crime teve aumento. A prevenção é a maior arma da polícia. O crime existe, mas um patrulhamento contínuo e direcionado é eficaz no combate aos fenómenos criminais. Se há falta de meios humanos e materiais o patrulhamento é relativo, e a criminalidade instala-se e aumenta de volume.
E quanto à progressão dentro da PSP?
Pelo número de concursos existentes os agentes e os chefes dificilmente chegam ao último posto das suas carreiras (Agente Coordenador e Chefe Coordenador) e muito menos ao último índice salarial da sua carreira. Quando temos carreiras que constam no Estatuto e que não são fisicamente alcançáveis, algo não está certo.
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